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sexta-feira, abril 11, 2003

Simplicíssimo - Jornal Virtual de peridiocidade semicatorzenal
11/04/2003 - Edição número 18 - Editora SuperJazz7 - The Brains Corp.

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Sessenta e quatro casas e trinta e duas peças
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1.
Editorial.............................................................Rafael
Luiz Reinehr

2. Ontologia: Descartes e Pascal....................César Schirmer dos
Santos

3. Por quê escrever..........................Eduardo Hostyn Sabbi

4. A Cartilha do Simplicíssimo (em 18 lições)..................Rafael Luiz
Reinehr

5. Escrever por Escrever XIV
(excertos).....................................Rafael Luiz Reinehr

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1. Editorial

O jogo de xadrez sempre me encantou. Desde pequeno. Quando ganhei meu
primeiro tabuleiro, lá pelos 9 anos, do meu ex-padrasto, fiquei maravilhado.
Passei a jogar com freqüência por muito tempo. Passei a ensinar quem não
sabia para que pudessem jogar comigo. Só que logo me apercebi que isso não
dava certo: a pessoa, recém-ensinada, precisava de um tempo para desenvolver
suas habilidades. Resumo da história: ganhava sempre dos meus aprendizes.
Mas não foi sempre assim; encontrei oponentes à altura e senti, finalmente
(e felizmente) o amargo gosto da derrota. Amargo e reedificante: a mim, a
derrota faz levantar mais forte, com mais vontade de aprender e crescer.
Mas não era sobre isso que eu ia escrever hoje. Acho que ia falar sobre
o fim da guerra, mas esse é, na verdade, só o começo...
Está acontecendo um evento no Gasômetro: "Corpo, Arte e Clínica". Acaba
hoje. Fui lá buscar minha namorada, que está a participar do referido
evento. Esperando por esperar, acabei comprando alguns livros (por ordem de
escolha):
- A arte de transformar tempo fútil em tempo útil - Yoshida Kenko - Editora
Landy
- Os direitos humanos - Antologia de textos históricos - Adelino Brandão -
Editora Landy
- A arte do bonsai - Peter D. Adams - Editora Martins Fontes
- GOZA! Capitalismo, Globalização e Psicanálise - Ricardo Goldenberg
(org.) - Editora Ágalma
- A revolução sexual - Wilhelm Reich - Zahar Editores
- A ordem do discurso - Michel Foulcault
- Arte e psicanálise - Adorno (esses dois últimos estão no carro e não sei a
editora e o título exatos)
Livros para a prateleira se deliciar, enquanto a endocrinologia ainda
consome grande parte da minha energia vital...

"Nada de grande no mundo é feito sem paixão" Hegel

"A semente que plantais, outro colhe;
A riqueza que encontrais, a outro pertence;
Os vestidos que costurais, outro veste;
As armas que forjais, outro utiliza.
Plante a semente, mas não deixe que nenhum tirano a colha;
Encontre a riqueza, mas não deixe nenhum impostor te roubar;
Teça os vestidos, mas não deixe que os ociosos os usem;
Forjai as armas, mas as use em vossa defesa." Percy Shelley, 1819

Façamos somente jogadas válidas!

Rafael Luiz Reinehr

PS: valeu pela força em relação à viagem de minha vó! E obrigado pelos
artigos que foram encaminhados de montão! Serão todos publicados nas
próximas edições!
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2. Ontologia: Descartes e Pascal
César Schirmer dos Santos
UFRGS

7 de abril de 2003

Apresento, a seguir, uma breve comparação entre os principais elementos das
ontologias de Descartes e de Pascal.

No século XVII Descartes apresenta, para substituir elementos aristotélicos
e
cristãos da filosofia que impediam a plena aceitação da ciência
quantitativa,
tal como a conhecemos antes, uma ontologia onde existem apenas três tipos de
seres: a substância pensante infinita, a substância pensante finita e a
substância corpórea.

A substância pensante infinita é Deus (donde se segue que as tentativas de
se
fazer uma leitura materialista da obra cartesiana são equivocadas). Cada
mente
humana individual é uma substância pensante finita (o que não quer dizer que
ela seja mortal), e a extensão tomada como um todo é a substância
não-pensante
extensa (isto não impede, contudo, que um corpo tomado individualmente seja
considerado como uma substância extensa).

Em Descartes há uma hierarquia entre estes três tipos de substância segundo
o grau de perfeição de cada uma. "Grau de perfeição", em ontologias (ou
filosofias da participação) como as de Platão, Plotino, Agostinho e
Descartes,
quer dizer maior perfeição no ser, consequentemente menor participação no
nada.
Isto quer dizer que, para estes filósofos, as coisas em primeiro lugar são
ou não são, mas, em segundo lugar, as coisas que são ou existem são ou
existem
com maior ou menor perfeição. As coisas podem participar com maior ou menor
intensão do ser, sendo ou existindo mais ou menos plenamente, com maior ou
menor perfeição.

Tal tipo de ontologia não é adotada por nós, pessoas brancas da classe média
brasileira, embora possa ser encontrada no candomblé da Bahia, segundo
estudo
do sociólogo Roger Bastide. Nossa ontologia segue, ao menos implicitamente,
as
críticas lógico-gramaticais de Immanuel Kant ao uso feito pelos filósofos da
participação no ser do verbo "ser". Segundo Kant, "ser" não é um predicado
como
os outros. Quando digo "César é existente" não acrescento nada ao conceito
de
"César" que já não estivesse contido neste conceito, diferentemente do que
ocorre quando digo "César é estudante" (digressão: em uma ontologia como a
de
Leibniz seria diferente, pois todos os predicados de cada coisa devem estar
contidos no conceito completo de cada coisa). A melhor crítica que conheço à
noção de "grau de perfeição" foi feita por S. Kierkegaard nas _Migalhas
Filosóficas_, p. 66 (Petrópolis: Vozes).

Voltando a Descartes, Deus é a substância pensante infinita. Deus inclui em
si
todas as perfeições, sem ter nenhuma imperfeição, ou seja, sem que nada não
seja em si. A noção de imperfeição precisa ser esclarecida: nas filosofias
da
participação, uma imperfeição é igual a nada, ou seja, imperfeições não
existem. Algo é dito imperfeito por não ter uma perfeição (trata-se de
imperfeição negativa se não tem simplesmente uma perfeição, e de imperfeição
privativa quando não tem uma perfeição que deveria ter), sem ser possível
ter
positivamente uma imperfeição. Exemplo: um relógio que marque mal as horas é
dito imperfeito por não ter positivamente precisão, e não por ter
positivamente
imprecisão.

A substância pensante finita, a mente individual de cada ser humano, é menos
perfeito do que Deus e mais perfeita do que a matéria. A comparação entre as
perfeições de Deus e da mente é simples: Deus tem todas as perfeições, e a
mente tem ao menos uma imperfeição, a de não ser Deus. Logo, Deus é mais
perfeito do que a mente de cada um. A comparação entre as perfeições da
mente e
do corpo é feita pelo atributo da infinita divisibilidade do corpo. Como o
corpo é infinitamente divisível, ele é muito imperfeito, por não ter em si
nenhum princípio de unidade. As mentes, os eus, têm em si unidade
individual.
Logo, as mentes são mais perfeitas do que os corpos. (Creio que quanto a
isto
os leitores com formação psicológica e psiquiátrica saberiam formular uma
objeção de caráter filosófico e empírico a Descartes, pois reconhecem na
prática profissional a fragmentação e multiplicidade de cada eu, constatada
em
importantes estudos já datados de cem anos atrás. Um bom livro sobre este
ponto
é _The Engine of the Reason, the Seat of the Soul_, de Paul Churchland;
outro:
Steven Pinker, _Como a Mente Funciona_, São Paulo: Companhia das Letras).

Resumindo, na ontologia de Descartes as coisas existentes (pleonasmo
didático)
são classificadas segundo seu grau de perfeição. A mais perfeita é Deus,
seguindo a mente e o corpo.

Pascal também hierarquisa estes três tipos de entidades, mas seu critério é
outro, diferente da perfeição. De certa forma, o que ele faz é
classificá-las
segundo uma escala de valor.

Imaginemos um mundo onde só existam corpos, sem existir mente alguma
(estamos
pressupondo que a mente não é uma entidade material ou corpórea, ao
contrário
do que se faz hoje; ver os livros citados de P. Churchland e S. Pinker; para
uma posição contrária, "dualista", ver P. Guenancia, _La Inteligence du
Sensible: essai sur le dualisme cartésien_). Neste mundo, segundo Pascal,
haveria existência, mas não haveria conhecimento da existência. Se houvesse
ao
menos uma mente neste mundo, ela poderia saber que o mundo existe e que ela
mesma existe. Nisto consiste sua superioridade em relação à matéria. A mente
pode conhecer, a matéria não. Há, por assim dizer, um degrau entre o corpo e
a
mente, e o corpo não pode, de modo algum, escalar este degrau.

Um degrau semelhante a este também encontramos entre a mente e Deus. A
mente,
que pode conhecer a matéria, não pode compreender Deus, que é puro amor e
nada
mais. Deus é algo que está além do alcance da mente humana, o que significa
que
ele não pode ser estudado pela filosofia, por estar além dos seus limites, e
também que a teologia é superior a esta. Ao ocupar-se de Deus, a filosofia

pode dizer absurdos, mas isto não quer dizer que a teologia seja um absurdo.
Antes, quer dizer que a filosofia deve se limitar àquilo que pode
compreender,
deixando de lado Deus, que está acima dos seus poderes.

Alguns podem achar a posição de Pascal teológica demais, outros teológica de
menos. Os primeiros se irritam por ele ter tirado Deus do escopo de estudo
da
filosofia. Outros, plenamente materialistas, consideram isto o que há de
positivo em Pascal. Ao reconhecer que Deus é um objeto de estudo além dos
poderes da filosofia, ele deixa o campo aberto para que se estude apenas o
que
pode ser compreendido por ela, a matéria e a mente humana. Neste sentido
Pascal
é mais um filósofo finitista.

cesarschirmer@yahoo.com.br

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3. Por quê escrever?
Eduardo Hostyn Sabbi

O registro que temos do passado está no que foi materializado, e inclui o
que foi escrito. Antes, privilégio de poucos e desejo de muitos, agora
muitos e muitos. Por vezes me pergunto se todo esse lixo cibernético que
produzimos diariamente e ainda não aprendemos a reciclar tão bem quanto o
lixo real (mesmo que nem todos o façam), serve de alguma coisa no presente
ou valerá alguma moeda no futuro. Quem sabe nossa rica manifestação do
pluralismo de idéias, liberdade de raciocínio (nem sempre de expressão),
heterogeneidade dos grupos e indivíduos sejam mais importantes do que o
conteúdo de nossas letras e frases combinadas com ou sem métrica e
gramática? E o que não foi escrito, esconderá nossos medos, nosso instinto
competitivo e nosso individualismo contemporâneo que tomou conta desta
batalha viva? Mas encontro nesse momento dois grandes motivos para me
desenrolar feito um tatuzinho de jardim (ou um carangueijo da casca que
talvez fosse melhor para meu eu canceriano) e iniciar essa marcha deixando
algum sinal de qualidade e validade totalmente questionável por quem quiser
ler (enquanto escuto uma canção ou qualquer bobagem). Um deles se chama
Rafael, a quem admiro pela forma que realmente vive os momentos de sua vida.
Ele é o próprio SIMPLICÍSSIMO! O outro se chama Letícia, porque todo chato
que se mete com essas coisas de cultura precisa ter uma musa inspiradora.
Então, my friend, considere este um grito de resposta ao teu indignado
pedido de ajuda e saiba que poderá contar comigo edições que se seguirão.

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4. A Cartilha do Simplicíssimo (em 18 lições) - O seu curso de
aperfeiçoamento na Última Flor do Lácio
Rafael Luiz Reinehr

Lição número 13

Zélia e Pedro têm filhos gêmeos.
Os gêmeos são engraçados.
Êles fazem muitas artes.
Êles gostam de brincar com os bezerros zebu.

Um dia os gêmeos subiram nos pés de frutas.
Êles comeram frutas frescas.
Neste dia Zélia fêz frango frito.
Mas os gêmeos chegaram sem fome.
Não comeram muito frango frito.
Zélia não ficou zangada.
Ela acha bom comer frutas frescas.

Os gêmeos gostam de contos de gigantes.
Zélia leu para êles o conto de um gigante zangado.
Êles dormiram logo depois.
E sonharam com gigantes zangados.

es as is ez az iz
três malas lapis fêz faz fiz

ferro relógio farta dormir
terra rio dormir ir
ruim porque comprar

Quem pôs o ferro perto do relógio?
Foi a Laura.
Ela pôs o ferro aí e depois foi dormir.

Quero comprar um lenço.
Devo ir logo, porque as lojas fecham cedo.
Fecham logo depois das cinco.

A nossa terra não é ruim.
Ela fica junto ao rio.
A colheita na nossa terra é farta.

poço môça cinco cedo
braço caça cidade cebola
môço lição delícia cenoura

homem ho Ho

Quem é este homem?
Êste homem é o pai da Zélia.
Êle se chama Hilário.

A casa do Hilário fica na cidade.
A casa é pequena mas bonita.

Zélia tem um lençol bonito.
O lençol é azul e bordado a mão.
Zélia pôs o lindo lençol na cama.

lençol çol

ho ha hu he hi
aso asa asu ase asi
ol al ul el il

A filha do Hilário trabalha muito.
Ela cozinha e põe a mesa.
Ela cuida de tôda a roupa da casa.
Lava as camisas e as camisolas.
Lava também o lençol.
Usa sabão e anil.
Ela remenda a roupa.
Usa sempre um dedal.
Ela trabalha o dia todo.

Um dia uma criança brincou com a roupa lavada.
Pôs mais anil nas camisas e camisolas.
Rasgou o lençol.
Foi embora com o dedal.
A filha do Hilário lavou roupa outra vez.
Remendou o lençol.
Não usou o dedal.
Nunca mais o encontrou.

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5. Escrever por Escrever XIV (excertos)
Rafael Luiz Reinehr

{10/05/2001 - Quinta-feira 15:50}

Perguntinha feita pelo professor de Filosofia da Ciência:

Disserte sobre a simetria da confirmação de hipóteses. Comente a esse
propósito as conseqüências para a noção de verdade em ciência.

Em relação à confirmação das hipóteses, a primeira constatação que podemos
fazer é a de que, não importa quantas verificações façamos, não teremos
prova conclusiva de uma dada hipótese, pois o fato de que nosso experimento
resultou em "n" resultados favoráveis à nossa hipótese não significa que na
próxima vez isso vá ocorrer. Para termos essa certeza, somente se
conseguíssemos coletar todos eventos do tipo que estamos estudando que já
ocorreram em todas partes do mundo e todos aqueles que ainda ocorrerão até o
fim dos tempos, o que é impossível.
Mas o que a Ciência se propõe não é isso. Ela se propõe, para confirmar uma
hipótese dada, a coletar as informações relevantes a determinada hipótese.
Para tanto, devem ser criadas hipóteses auxiliares válidas a ponto de serem
adequadas a confirmar a hipótese principal. De nada adianta sairmos a
coletar informações múltiplas sobre um determinado assunto pois não
saberemos como analisá-las a seguir. É necessário testar hipóteses que dêem
uma direção à investigação científica, pois sem essa direção, a distância da
verdade somente tende à aumentar.
Quando usamos a indução, ou seja partimos de algo particular para algo
geral, sempre temos que tomar cuidado, pois como já visto, apesar de
podermos dessa forma formular uma boa hipótese, nunca podemos ter esse
conhecimento com certeza, pois não temos o conhecimento de todos os
particulares. No caso da dedução, ou seja, partindo do geral para o
particular, aí sim podemos realmente confiar naquela conclusão, desde que
estritamente dentro das condições originais do dado experimento ou dedução,
já que se estudadas em locais ou sob diferentes condições estas podem se
apresentar como falsas.
Devemos também salientar que hipóteses a princípio rejeitadas nem sempre
são incorretas, pois muitas vezes não conseguimos identificar, dentro da
investigação científica, as hipóteses auxiliares que nos levariam a
confirmar nossa hipótese principal. Por exemplo: se sugerimos que
determinada doença é causada por dada bactéria e usando a substância "X"
deveremos matar a bactéria e eliminar a doença e, na verdade, a substância
"X" é totalmente inerte em, relação à bactéria, poderemos acabar refutando a
idéia de que a bactéria é a causadora de determinada doença, o que seria, a
princípio um erro (pelo menos baseado nesse experimento).
Assim, a busca da verdade na Ciência é um complexo caminho de idas e
vindas, onde devemos usar o conhecimento atual para produzir novos
conhecimentos, com uma única certeza: de que o que sabemos "com certeza"
agora, amanhã poderá ser somente uma ilusão. Devemos saber usar o novo
conhecimento adquirido para voltar atrás e verificar nossas antigas idéias e
crenças, evitando sempre cair no perigoso Mito do Cientificismo, tão em voga
atualmente e responsável por tantas evoluções mas também por tantas
catástrofes (como a bomba de Hiroshima, por exemplo).
Como dizia um fisiologista no fim do século XIX: "Como eram bobos nossos
antepassados, que acreditavam que o calor do nosso corpo se originava na
alma. Hoje, nós sabemos com certeza que ele vem do atrito do sangue em
nossos vasos". Hoje, 2001, acreditamos que o calor do nosso corpo é regido
por um órgão endócrino e parácrino, o hipotálamo, que rege um sistema
endógeno de regulação de queima de nutrientes e formação de pirógenos
através da ação de hormônios e outras substâncias. O que saberemos amanhã?

Temos ainda na feira de hoje, um comentário sobre o filme "A Obra em Negro",
para Introdução ao Pensamento Sociológico:

No filme assistido, acompanhamos, pouco antes de 1600, as agruras sofridas
por Zénon Ligre, nosso protagonista, médico e autor de "Tratado do Mundo
Físico" e "Prognosticação das Coisas Futuras". No filme presenciamos a
perseguição ferrenha sofrida pelos pensadores em uma época onde a Igreja era
soberana, onde todos que ousassem questionar os dogmas estabelecidos eram
condenados à fogueira, assim como seus livros.
Após o declínio do Império Romano, a Igreja Católica Romana dominou o
pensamento europeu, e a única erudição permitida era estritamente religiosa.
A maioria das pessoas não sabia ler e, apesar de saber da interpretação
oficial das escrituras que regulavam a sua vida, mas não tinham acesso a
elas. Nenhuma divergência era permitida. Muitos livros foram proibidos.
Muitas pessoas, inclusive filósofos, foram realmente queimados na fogueira
até muito antes de 1600. Os europeus tinham muita fé, mas indagavam pouco,
já que, sem o livre pensamento, a filosofia não teológica foi decrescendo
até se interromper. A Igreja Católica Romana exercia tamanho poder que, em
1651 Hobbes a chamou de "o Fantasma do falecido império romano, sentado
coroado sobre o seu túmulo".
Em certo sentido, a Igreja tinha mais poder do que o Império. A pena é
reconhecidamente mais poderosa do que a espada, e o poder das idéias, da
doutrina, tem a vida mais longa do que a autoridade de meros governos. Mesmo
os maiores impérios, que se apóiam no poder da espada, não duram pra sempre.
Poderes epirituais e de idéias são mais fortes a longo prazo. Mas, sob o
jugo da Igreja, a capacidade humana de reflexão e ceticismo foi severamente
restringida e os dogmas eram aceitos sem contestação. A filosofia, por outro
lado, questiona tudo. A dicotomia fundamental entre teologia, que requer a
fé, e a filosofia, que exercita a dúvida, freqüentemente torna os dois
campos incompatíveis, como certamente foram por mais de um milênio, até a
Reforma e o começo da Revolução Científica.
Toda religião tem convicções que são supostamente imutáveis. Na Idade
Média, quando quem mandava era a Igreja Católica, tentou-se conciliar a fé
com a razão grega, principalmente com os ensinamentos de Aristóteles. Até
São Tomás de Aquino, a razão era considerada apenas um auxiliar para a fé,
jamais podendo opor-se a esta e o dogma era a verdade revelada que não podia
moldar-se aos princípios da razão.
Com Tomás de Aquino (1225-1274), isso começou (bem de leve) a mudar. Sua
teologia incorporou a metafísica e a ciência de Arisóteles e sua grande meta
era a reconciliação da fé com a razão. A redescoberta medieval de
Aristóteles no Ocidente contestou a filosofia de Santo Agostinho, que
afirmava que o verdadeiro conhecimento só era possível por intermédio da fé.
Os acadêmicos islamitas como Ibn Rushd (Averróis) recorreram à lógica
aristotélica em apoio às questões teológicas, concluindo que se podia
descobrir a verdade tanto por meio da razão quanto por meio da fé, iniciando
uma crise teológica. Tomás de Aquino declarou que razão e fé são
complementares, e não antagônicas. Na qualidade de lógico, Tomás de Aquino
limitou o poder de Deus, que apesar de "onipotente", era incapaz de
contrariar as leis da lógica e criar um quadrado redondo, por exemplo. A
razão, por sua vez, era incapaz de explicar os milagres, por exemplo, que
somente poderiam ser compreendidos através da fé.
Essa tentativa de Tomás de Aquino de aplicar a razão à fé, que pretendia
fortalecer a doutrina da Igreja, além de rejeitada pela burocracia católica,
ajudou a preparar o ambiente intelectual que contribuiu para a ascensão do
humanismo e das idéias renascentistas.
Um sentimento muito forte que surge quando assistimos ao filme é um
sentimento de grande raiva e indignação frente a burrice, ignorância e
intolerância da Igreja Católica representadas no filme. A Igreja naquele
momento não representava ninguém mais do que a si mesma, esquecendo em
grande parte os ensinamentos de Jesus. É irônico pensar que, no século XVII
Galileu quase foi para a fogueira quando provou que parte da astronomia e da
física de Aristóteles estava errada (afirmando assim, inadvertidamente, que
as doutrinas católicas a elas associadas também estavam completamente
erradas) e hoje em dia essa mesma Igreja Católica, um pouco menos burra
aceita essa nova concepção de mundo. O mesmo vale para "A Origem das
Espécies", de Charles Darwin, antes número 1 no "Índice dos Livros
Proibidos" da Igreja, após o papado de João Paulo II é considerado
"compatível com o Gênese" (imagina sob que interpretação!)
Hoje em dia, ao contrário da irracionalidade cega da fé católica vigente na
época do filme visto, o papa João Paulo II, patriarca maior da Igreja
Católica, convoca, na encíclica Fides et Ratio (Fé ou Razão), todos os
católicos a se concentrarem na filosofia, sendo que esse mesmo para não
admira somente os filósofos ocidentais como também os textos sagrados
indianos, os ensinamentos de Buda e as obras de Confúcio. Como ele mesmo
diz:
"...muitas pessoas tropeçam pela vida até a beira do abismo sem saber aonde
estão indo. Às vezes, isso acontece porque aqueles cuja vocaçào é dar
expressão cultural aos seus pensamentos deixaram de examinar a verdade,
preferindo o sucesso rápido ao esforço da indagação paciente sobre o que
torna a vida digna de ser vivida."


Referências Bibliográficas

1. CHAUI, Marilena. "Um Convite à Filosofia" - 12a edição, 2001 - Ed. Ática
2. ROHMANN, Chris. "O Livro das Idéias - Um dicionário de teorias,
conceitos, crenças e pensadores que formam nossa visão de mundo" - 2a.
edição, 2000 - Ed. Campus
3. MARINOFF, Lou. "Mais Platão Menos Prozac - A Filosofia aplicada ao
cotidiano" - 1a. edição, 2001 - Ed. Record
4. RUSSELL, Bertrand. "História do Pensamento Ocidental - A Aventura da
idéias dos pré-socráticos a Wittgenstein" - 2a. edição, 2001 - Ed. Ediouro


Pois é... Produção Sociólogico-Filosófica rolando solta... Bem que eu
gostaria que a produção Artístico-Musical também estivesse assim...
Agora há pouco ligou a Cris me convidando para ir em uma festa no Dr.Jekyll.
Rock n'Roll! Tô a fim de ir... Hoje também tem Wonkavision e Winston na Casa
de Cultura Redenção. É incrível a diversidade de opções na noite
porto-alegrense! Eu adoro essa cidade! {10/05/01 - Quinta-feira - +-16:10}

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